segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Fantasmas - O Presente - Parte 4

O presente é para mim aquilo que estou a viver agora, amanhã direi “hoje é presente” e será sempre presente cada dia em que acordar. Porém hoje, digo “amanhã é futuro”, “daqui por vários anos é o futuro a longo prazo”, o dia de amanhã literalmente é futuro relativamente há vários anos atrás, mas não deixa de ser presente, é o presente de amanhã relativamente ao momento presente em que me encontro agora.

Presentemente terminei uma relação de quase um ano, com altos e baixos como qualquer relação, dúvidas acerca dos motivos da relação e da força da mesma, aspectos que foram postos em causa, ora por haver ainda um fantasma, ora por discussões recentes que a deixaram tremida. Isto levanta duas questões: será que esse fantasma surgiu porque a relação não estava assim tão boa e como tal deu espaço para pensar no passado, na ilusão que criei de que o passado foi melhor que o presente? Ou será que esse fantasma é que veio arrasar com tudo, por mais perfeita - ainda que não existam relações perfeitas - que a relação fosse iria fracassar como se assim estivesse pré-destinado? O que é a causa, o que é o efeito? Não é fácil distinguir. Por um lado existe a razão a tentar filtrar factos passados e actuais e chegar a resultados, tirar conclusões, perceber de onde vem o problema, equacionar vantagens e desvantagens, qual o risco, qual o proveito, controlo e calculismo, mecanismos racionais e até certo ponto inteligentes e seguros, por outro, existe o emocional a dizer que o meu sexto sentido estava realmente correcto, ainda que o meu medo fosse mais forte que o desejo de seguir os meus instintos. O medo atrapalha-me mas previne-me de cair em asneira, será o medo um mecanismo racional apesar da sua definição científica[1]? Serei cobarde ao ponto de deixar a felicidade fugir-me das mãos por ter medo de ir atrás dela e pô-la à prova? O que tenho eu concretamente agora e o que tenho a perder? Além de recordações arrumadas no passado, pouco contacto existe com o dito fantasma. Não tinha o número de telemóvel, bloqueei os contactos do Messenger e sabia que ele também tinha bloqueado os meus, separava-nos uma distância geográfica de mais de trezentos quilómetros, para além de existir a minha actual relação em standby existe a actual relação dele. Tirando a barreira geográfica, as outras barreiras foram vencidas, até foi relativamente fácil encontrar o contacto telefónico dele, uma rápida pesquisa na internet e consegui encontrá-lo no sítio publicitário da sua pista de MotoCross que aluga à hora. Primeiros obstáculos ultrapassados consegui entrar em contacto com o fantasma, que já não era fantasma, ou pelo menos começava a ganhar corpo, já tinha algo do outro lado, do lado de lá de trezentos quilómetros para norte, a comunicar comigo. Já tinha como alimentar emoções e recordações com base no presente e não apenas com base nas recordações do passado. Para o fantasma também eu era um fantasma, éramos os fantasmas de um envolvimento no passado e estávamos a viajar até ao presente para nos materializarmos se conseguíssemos ultrapassar a barreira geográfica. A barreira geográfica é perfeitamente transponível bastando para isso apanhar um autocarro ou agarrar no carro e fazer-me à estrada. Dessa forma poderia finalmente completar essa materialização e encarar o meu fantasma em carne e osso, poderia finalmente compreender os meus sentimentos, varrer esta nuvem cinzenta e turva que paira sobre a minha cabeça desde que ele se foi embora do estabelecimento de ensino onde nos conhecemos, poderia vir a ser feliz com ele. Será que ainda iria sentir as mesmas coisas? Cada vez que falava com ele por mensagem ou via Messenger o coração ficava mais perto da boca, as emoções vinham ao de cima, o desejo de um reencontro era mútuo, o medo e insegurança um no outro que se foi criando ao longo deste tempo também era partilhado mas ia ser ultrapassado, agora que eu estava decidida a vencer tudo e todos e agarrar esta oportunidade com as duas mãos, deixar para trás a cobardia e enfrentar o passado, tornando-o presente. Mas nem tudo é tão simples, o tempo e as mudanças que traz à vida de cada um podem ser desmoralizadoras e devastadoras. Num dos meus contactos mais recentes com ele tive a notícia de que vai ser pai. Recebi a informação por mensagem no telemóvel, fiquei a olhar para as palavras escritas no ecrã a ver se tinha lido bem. Li bem. Li, não li? Li pois. Vai ser pai, apesar de não morar junto com a mãe da criança, apesar de se lamentar da sua vida sem paixão e emoção com a qual se conformou, segundo parece anda conformado há mais de dez anos. Tão-pouco vivem na mesma cidade. Não ama mas vai ser pai. Quão irresponsável, pensei, ainda assim dei-lhe os parabéns.


[1] O medo é uma emoção básica, que coloca o nosso organismo em sobre-alerta e o prepara para fugir e/ou defender-se perante a percepção de perigo. Ao falarmos de medos, devemos encará-los enquanto emoção saudável, com uma função adaptativa: alertar para os perigos que rodeiam. in http://educacaodeinfancia.com/o-medo-na-crianca/