sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Fantasmas no Sótão- O Passado - Parte 3

O “passado” passado mas que ainda se projecta no presente, é isso que me assombra. Recordações de um passado supostamente feliz ou assim recordado, sobrepõe-se ao meu presente e àquilo que sinto agora - “não sou feliz” “era tão feliz”, “não sinto isto” “dantes, sentia uma coisa muito mais forte”, “mas porque fui tão cobarde?” “ainda vou a tempo de recuperar?”, “e se aquele era o tal” “tenho de ir recuperar o passado” - e abafam-no, o meu presente agora é uma pequenina flor abafada por ervas daninhas que vou cortando para dar espaço a novas flores, mas a erva daninha prolifera e torna a abafar as flores que vou semeando, impedindo o meu jardim emocional de avançar. O passado foi vivido num período de três meses aproximadamente, escondido, temeroso, ilícito, condenado à partida por não ter sido firmemente construído com alicerces genuínos e verdadeiros, havia sempre a traição, a mentira e o peso na consciência por detrás, todos juntos a fermentar, a conspirar, quando na verdade não éramos vítimas nenhumas, pelo contrário, éramos os conspiradores contra duas pessoas que ficaram na ignorância tempo suficiente para nos odiarem assim que lhes foi revelada a verdade, não nos tendo livrado contudo de nos tornarmos posteriormente vítimas do nosso próprio embuste. Este passado teve momentos bons, sedutores, quentes e promíscuos, felizes, sonhadores com um futuro mais risonho que o então presente, mas foi rejeitado, menosprezado e posto de parte pelo bem, pelo remendo do buraco que ficou na vida de várias pessoas, como se depois de todo o mal feito, alguma coisa fosse mudar. E por aí se ficou essa relação, segui a minha vida, refiz a relação desfeita, tentei colar um coração por mim despedaçado negligenciando o meu, tentei esquecer, ultrapassar, seguir em frente o que não resultou na altura. Até hoje, relação após relação, o fantasma do passado vem acordar-me de vez em quando, inebriando-me rouba-me a paz de alma e leva-me a crer que não estou feliz e aí começa o presente.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fantasmas no Sótão - Reflexão, parte 2

Apesar de não estar racionalmente apta para chegar a que conclusão fosse, partindo de uma análise superficial e baseada em recordações cheias de teias de aranha e mesmo sabendo que só iria resolver esta situação se a enfrentasse cara-a-cara, ponderei o passado, o presente e o futuro, possibilidades, contexto actual, factos, perspectivas, barreiras e constrangimentos ou recompensas. Diga-se que não é fácil, não é como fazer uma tabela com colunas e colocar os prós e os contras. Não há recordação passada que se possa comparar com o presente sem ter sido deturpada pelo tempo e por vezes tenho tendência a exagerar e considerar o passado mais gratificante que o presente.
Passado é passado, o presente constrói-se agora com os nossos actos e depressa se converte em futuro, embora não considere o futuro imediato (“o amanhã depois do agora”) como futuro, o futuro é algo que se projecta a médio prazo, por vezes a longo. A ideia que tenho de futuro, é que se trata de algo lá ao longe, parado à minha espera, como uma meta que tenho que alcançar e até lá tenho que dar os passos certos, seguir os caminhos directos sem desvios para colher os frutos no futuro.
Se errar nalgum caminho, tiver que recuar e recomeçar de algum ponto, o tempo que tenho para cumprir os objectivos que me levam até à meta começa a escassear o que pode soar estranho, pois a vida dá muitas voltas o que é natural e inerente à condição de ser Humano, mas se analisar com atenção, os anos passam e os objectivos que projectamos no futuro a longo prazo podem ser adiados, especialmente sendo mulher e não sei se afecta a todas mas, a ideia de ser mãe, quando estamos perto dos trinta, parece uma realidade cada vez mais distante.

Nos meus receios, e sendo sobretudo racional, construir uma relação que evolua ao ponto de gerar pequeninas pessoas, pode demorar muito tempo, por vezes demasiado dependendo de factores como a maturidade de cada um, a independência e a situação profissional. Não basta ter trinta e cinco anos para ser maduro, há crianças grandes por todo o lado, tal como não basta ter emprego, é preciso maturidade para saber gerir um ordenado na sociedade consumista e descartável que nos educou. A independência obtém-se com um emprego que permita sair da casa dos pais, o que não é necessariamente sinónimo de maturidade porque há muito homenzinho que sai de casa dos pais para poder viver num pandemónio sem receber ordens de adultos “a sério” e poder fazer festas todos os dias, o que leva a esbanjar todo o ordenado numa semana na pior das hipóteses, tornando-se automaticamente dependente dos pais porque se acabou o dinheiro, ou de instituições de crédito. Há muita gente que vive fora da casa dos pais mas depende deles para pagar a renda ou os estudos, apesar deste ultimo grupo ter condições especiais e não se enquadrar nesta reflexão. Ora, uma criança não se faz do nada, embora haja muita gente que, quase como que por magia, dá à luz uma criança sem ter percorrido o dito caminho espinhoso e cheio de curvas, o que parece bastante prático mas duvido que seja igualmente gratificante. Uma criança deveria nascer de uma relação sólida, e uma relação sólida não se constrói, a meu ver, num ano ou dois. Em quanto tempo uma relação evolui para se tornar sólida o suficiente para poder prosseguir? E se ao fim de um ano se chega à conclusão de que se desperdiçou tempo e a relação que se construiu nesse espaço não tem pernas para andar ou precisa ser reajustada para evoluir? Recomeça-se com uma relação diferente? Recomeça-se com a mesma pessoa mas noutros moldes? E se esse recomeço também não der frutos? Quanto tempo se perde? Tudo isto conta muito quando se é mulher e tem perto de trinta anos e eu perco muito tempo a pensar nisto.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Fantasmas no Sótão - Reflexão


Era apenas um jantar informal de fim de curso com uma turma acabadinha de se formar e colegas da escola onde trabalho, num restaurante de gestão brasileira onde a comida não é servida à mesa mas sim numa zona de self-service, com preço fixo que dá direito a comer até não poder mais. Não estava à espera que fosse tão informal ao ponto de dois colegas meus terem manifestações de afecto publicamente, ainda que subtis não o foram o suficiente para não serem notadas. Ao mesmo tempo sentia uma atmosfera de cumplicidade e secretismo que me era familiar, não tivesse eu tido um romance há cerca de três anos atrás, com um colega de trabalho, o qual supostamente era para se manter secreto, não fossemos ambos membros de relacionamentos de vários anos e como tal, estávamos a cometer um acto ilícito, imoral e condenável à lupa de diversas culturas e religiões, éramos duas meretrizes adúlteras condenadas às chamas do inferno, à fúria do Armagedão, à inveja implacável das funcionárias e outros colegas na altura, apesar de também eles terem esqueletos no armário. Enfim, de secreto penso que teve pouco, começou depressa como se não houvesse amanhã, durou pouco, acabou de repente mas marcou o suficiente para ganhar um lugar de destaque na estante de troféus do sótão, onde hoje permanece com aquele brilhozinho irritante que sobressai mesmo por debaixo da camada de pó que foi ganhando ao longo destes três anos.

Durante a sessão de pratos e copos, por breves instantes, a subtileza dos gestos e olhares, fizeram-me recordar momentos pelos quais passei nesse meu passado condenável e fui-me sentindo um pouco agitada, incomodada até, irritada para ser mais precisa e ao mesmo tempo profundamente triste e arrependida das hipóteses que deixei escapar porque o medo de tentar e falhar me levaram a ficar quieta, refugiada no meu canto, todos estes anos.

A caminho de casa senti-me aturdida por uma carga emocional que chegou a superar o meu lado mais racional - o que podia ser até perigoso porque ia a conduzir sozinha e à noite com o álcool de dois copos de sangria a correr-me pelas veias - reacendendo-se a frustração e a dor de ter perdido algo no tempo e no espaço e não ter feito absolutamente nada por algo que hoje podia existir, hoje ele continuaria a ser o tal se eu tivesse feito as coisas da forma correcta, se tivesse sido correcta com o outro membro do relacionamento legítimo que tinha, se tivesse ouvido os meus sentimentos, se isto e se aquilo, uma família de “ses” unidos que não servem para nada a não ser fazer-me entrar em desespero e mais e mais frustração.

Nessa noite senti-me perdida, uma fraude, faltava pouco tempo para completar um ano de namoro com o meu então namorado e novamente não conseguia seguir para a frente com a minha vida por ser constantemente visitada por este fantasma inoportuno e sádico que me tirava o sono e me deixava os olhos vermelhos e inchados de chorar, qual Madalena arrependida.

Dias mais tarde, a muito custo para ambos, tendo sido ele confrontado com a situação que não era inédita, vendo novamente a minha angústia e confusão e sendo uma pessoa altruísta, embora eu não estivesse à espera, deu-me a hipótese de ir atrás do passado e analisar com olhos de ver as reais capacidades que esse fantasma teria de ganhar forma carnal e existir no meu presente. Eu estava à vontade para remexer no passado e trazê-lo de volta ou enterrá-lo de vez.

Tinha de o fazer, por mim, por ele enquanto pessoa mais lesada com a situação, pelo passado que tantas vezes tentei exorcizar sem sucesso, pelo meu futuro, pela minha felicidade e pela minha estabilidade e saúde mental.


Fantasmas no Sótão - Introdução

Quando era criança não tinha medo do Papão, nem do Velho do Saco nem de Fantasmas. O Gato das Botas era mais forte que eles todos juntos e enfiava-os a todos num saco de farinha para atrair perdizes. Os adultos é que crêem em fantasmas e têm a cabeça cheia de bichos cabeludos que metem medo ao susto, daí que a minha avó paterna tentasse em vão meter-me medo. As crianças estão imunes a isso, como gostava de voltar a ser criança. Inevitavelmente passei do estado larval a adulto e ao contrário de há vários anos atrás tenho muito medo de fantasmas, sobretudo aqueles que vivem dentro do sótão que há na minha cabeça. Aí tenho fantasmas e bichos cabeludos e se procurar bem, devo ter um baú cheio de recordações que só ocupam espaço e fazem lixo, não servem para nada nem sequer são bonitas para enfeitar.